ADEUS Por vezes sinto-me completamente nua no meio da multidão. Despida, sinto olhos pesados em cima de mim, incomodativos. Observo as caras estranhas na multidão e sinto olhares de recriminação, de culpa, de reprovação. Sinto que os olhares são familiares, mas as caras estão envoltas em névoa, embora sejam persistentes. São as minhas culpas, os meus erros e os meus fracassos que me rodeiam, não as pessoas. No meio da multidão dou de caras contigo, arrancas-me a respiração, por um momento. Já não suspiro, tu não me deixas.
Acendo um cigarro e sento-me na calçada suja. Perco-me, encontro-me quando o cigarro se apaga sozinho, como um tronco que se consome até ao fim. As cinzas levantam-se com a aragem e poluem o ar, dão ao sol um tom salpicado a passado. O passado, esse cabrão, que me deixa sentada no chão sujo das ruas imundas onde me perdi contigo, onde te beijei debaixo da chuva, onde entrelacei as minhas mãos nas tuas.
As ruas imundas que outrora foram palco da nossa paixão, fazem-se sentir uma intrusa agora, agora que a paixão já não tem ar, depois de o roubares, para fazer combustão. Somos dois troncos queimados, dois abismos fitando o céu. Já não ardemos juntos.
Leva agora o sabor dos teus lábios, agora que o deste a outra pessoa, leva a subtileza dos teus dedos no meu peito, agora que ele já não o sente. Leva o teu perfume, agora que ele já não está em lado nenhum.
É a última vez que te escrevo, é a última vez que me arrancas o ar do peito. A boca sabe-me a fel e no peito sinto o fado da desgraça.
As músicas no meu mp3 já não me fazem sorrir, já não me lembram nada. A tua cara já não me acelera o peito, porque ele está magoado e nada sente. As paredes e muros que construíste à minha volta, onde fui prisioneira, já estão a ceder e em pouco transformar-se-ão em pó, derrubáveis com um simples sopro.
Foi na multidão que te vi com ela, com os dedos entrelaçados, os passos alinhados, mas com a mesma cara vazia e olhar distante. A multidão baça, enevoada, deu-me uma lição e o empurrão que eu precisava. Tu serás sempre assim, um copo cheio de nada, um livro em branco, um coração vazio, um peito cheio de nada.
Acabo mais um cigarro e sinto o ar a cortar-me a respiração. Dou um gole no copo de vinho tinto, que respira, e escrevo-te mais uma linha. Sei que as lês, atentamente.
As frases que me disseste, até à exaustão, aquelas que me faziam sonhar, e que depois me soaram a falsas, serão as mesmas que dizes agora, tenho a certeza. Sei-te de cor. Não me incomoda, incomoda-me é a frieza com que elas te saltam da boca. Não sabes o que é senti-las, e por isso, só posso ter pena de ti. “Será sempre mais feliz aquele que mais amou”.
Leva as palavras, os cheiros, os beijos. Fica com tudo, não quero mais nada teu. Leva a Praia Grande, a Ericeira, as músicas, as paredes, os muros, as mentiras e as histórias lacrimosas do passado. Fica com as mentiras também, e com as traições. Fica com as frases feitas e com os lugares comuns onde tentas erguer uma vida que falha sempre. Leva tudo contigo…porque o meu coração agora fica aqui, nas minhas próprias mãos. A minha vida é minha, o meu sorriso não é teu, o meu corpo não te quer, os meus ouvidos não suportam as tuas frases. Os seis anos em breve serão seis dias, e as lembranças vão desvanecer-se, tal como tu desvaneces-te em mim.
Foste a maior desilusão que podia ter, a maior mágoa, mas longe, oh meu Deus tão longe, de teres sido o maior Amor. Só é amor quando é sentido dos dois lados. E como já te disse antes: “Perdoo-te a frieza, nunca te vou perdoar o chão frio”, e nunca mais caminharei sobre o gelo fino…Adeus!
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Obrigada, mais uma vez, à Pipoca.
Continuo a espera das vossas cartas (não) sentidas. Aqui.