segunda-feira, 20 de julho de 2009

Carta IX

Caro João:

Mais um dia em que acordas com esperança de que tudo mude certo?

Mais um dia em que olhando para a janelinha da tua cela o azul do céu te dá coragem para dares mais meia dúzia de passos nessa prisão negra onde te escondes... Mais uns metros em direcção à porta onde a liberdade te espera.

Mas a cada passo que dás mais ouves os Mars Volta a berrarem-te aos ouvidos, mais velhas feridas que se abrem (e as tuas veias que ardem como nunca), e Deus como é nojento o rasto que deixas atrás de ti rapaz... o teu sangue não é mais vermelho, antes um verde viscoso e nojento que exala de cada poro como se de suor se tratasse... Sentes a temperatura do corredor subir, sentes cada músculo arder e a linfa a evaporar-se de ti para fora e infiltrar-se nestes muros que te rodeiam e respiram contigo... Mas continuas a acreditar que no momento em que abrires aquela porta e vires o céu azul do outro lado e o mar lá ao fundo vais actuar tal qual Fénix, e renascer, deixar para trás estas paredes de granito negro, ser finalmente o sujeito bom e colorido que guardas com tanta força lá no fundo...

As paredes gritam-te a cada passo todos os teus ontens, todas as vezes que tentaste chegar a essa porta sem nunca a abrir, e o quanto isso te tornou na desilusão que te foste até ontem.

Hoje Ipirangas-te João, hoje abres essa porta pesada de marfim negro... semicerras os olhos devido à diferença da luminosidade entre essa fortaleza gigante que criaste à tua volta e o mundo lá fora... Hoje finalmente dás um passo lá fora, e mesmo de olhos fechados sentes a chuva limpar-te cada cicatriz... Sentes o visco retrair-se, e ouves as ondas lá ao fundo...

Jurmala... e o mar calmo e infinito à tua frente, reunindo o pouco ar que os teus pulmões ainda aguentam mergulhas na imensidão pacífica destas águas transparentes. Batizas-te a ti próprio no mais divino dos actos que tu como teu próprio Deus te permites. E hoje finalmente a Fénix não te foge... e hoje finalmente acredito no teu potencial...

É por isso velho João, que depois de me sentir renascido não te posso sentir mais em mim... Deixo essa tua velha carcaça construída na depressão e no cinzento para trás, caída na areia molhada, entregue aos elementos que tanto evitámos. Mato cada porção de pena própria que ainda te restava, e tomo rédeas da minha própria vida. Faço de conta que nunca nada se passou antes.

Sou finalmente ser humano. Sou-me novo. Sou-me eu e assumo a minha capacidade de errar como algo de bom, assumo também a capacidade de errarem comigo como um compromisso necessário... E perdoa-me porque sei que toda esta escuridão foi apenas a tua maneira de nos protegeres, agradeço-te até por teres construído este lugar dentro de nós que apesar de opressivo pelo menos nos era familiar, onde pelo menos sabíamos com que contar... Mas chega de ti e do teu mundo.

Se amanhã a queda for tão grande como todas foram até agora, talvez volte a ti, mas por ora, não te sinto mais em mim João. Tentarei com toda a sinceridade matar cada pedaço de ti que ainda me reste pondo assim um fim piedoso à nossa existência conjunta.

Até nunca velho eu... pelo menos assim o espero...


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A ouvir:

"Eriatarka"
Mars Volta
link


Por jagga.
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Obrigada mais uma vez ao ti jagga =)
Continuem a participar com cartas (não) sentidas. Mais aqui.

4 comentários:

:) disse...

Muito bom, jagga. Dizer adeus ao seu velho eu. Excelente.

Curti bués a parte do "Hoje Ipirangas-te João".

;)

Nokas* disse...

Um texto à imagem de quem o escreveu: sempre cheio de sensações e super profundo, daqueles que se tem de reler para se perceber as entrelinhas.

Lila* disse...

=)

Eu fiquei feliz com este post=)
Um novo joao=)

jagga disse...

Obrigado gentes ;) Obrigado mesmo :)

E obrigado ti Lua... perdoa-me se este foi mais dark e por isso destoou dos textos que já cá tinhas... mas... enfim... :)