quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Carta LIII

Tu, que povoas o meu coração,

Não sei como haveria de começar a escrever aqui. Já não me posso chamar de "meu amor", não seria justo para ti, nem seria justo comigo mesmo, não que não te ame, porque amo, mas porque perdi todo o direito que tinha de dizer que de alguma forma eras minha. Não te queria chamar querida, porque na realidade é demasiado banal. Não te queria chamar pelo nome, porque esse só deve ser usado por quem queres que o use. Então começo contigo, tu que povoas o meu coração, porque te sinto hoje duma forma assoberbada, assombradamente cheia de calor e carinho, porque não consigo deixar de pensar em ti, e porque te vejo em todo o reflexo do que faço.
Não sei como me sentes hoje em dia, não sei sequer se mereço ser sentido por ti. Se mereço sequer um segundo dos teus sentimentos e um segundo dos teus pensamentos. Não há um dia em que não me martirize sobre tudo o que aconteceu connosco neste último ano, e já agora durante todo o tempo que partilhamos enquanto seres apaixonados e envolvidos numa mesma relação de partilha total e abertura.
Olho para os casais que passam por mim enquanto completo o meu dia sozinho, passam por mim vindos de todos os lados, desde o Eléctrico 18 da Ajuda, no Cais de Belém, junto à Ponte 25 de Abril, tomando café juntos enquanto suavemente passam a mão pela cara um do outro, apreciando o amor em doses grandes de emoção e sentimento de estarem completos e não sentindo nenhum vazio gigantesco do tamanho das crateras do Vulcão de Sumatra. E penso no quanto de nós podia estar representado em cada um desses casais, e isso deixa-me mais triste, porque sei que eu e tu tínhamos muito mais potencial que os outros todos juntos, tínhamos amor, paixão e interesses intelectuais acima de qualquer um deles.
Sei hoje que nenhuma mulher à minha volta é capaz de me dar tanta vida como tu me davas, nenhuma delas me parece interessante, acho-as cinzentas como acho cinzento o tempo em Outubro, não são cores garridas e vivas que me fazem querer sorrir. Não tenho o mínimo interesse em querer saber quantas mulheres giram à volta do mundo, isso não mais é importante, depois de ter tido o melhor a que podia aspirar, não me posso contentar com muito menos. Daí preferir ficar a idolatrar a pessoa que és sozinho, do que encontrar alguém que nem sequer consigo gostar.
Hoje, e desde há algum tempo sei que o nosso nome não ficará imortalizado nem por Dali nem por Kandinsky em quadros vibrantes e brilhantes, de cores quentes e carinhosas que pintam a nossa imaginação de orgulho e duma sensação de bem-estar inigualável. Arrependo-me dos milhões de erros que cometi, sei que não tenho desculpa, que essas se acabaram há muito tempo, no dia em que deixei de poder errar, e no dia em que cometi o erro gravíssimo em nós.
Acabaram-se os fins-de-semana bonitos.
Acabou-se a minha ânsia de vencer as centenas de km que nos separavam mas que eram sempre vencidos ao primeiro beijo.
Acabou-se o chá das 5h, tomado no sítio do costume, envolto em olhares de admiração e ternura.
Acabou-se o regozijo com que dizia à família que tinha alguém, que na verdade não era alguém, eras Tu, Tu que mereces uma admiração grande agora que não estamos juntos, visto que reconheço os erros que cometi, e o que durante algum tempo sofreste comigo.
Não há mais sorrisos perfeitos, nem olhares lânguidos.
Não há cumes que se vencem com a simplicidade de duas mãos juntas.
Não há mais Lisboa e Porto juntos no mesma sombra de árvore.
Não há mais nada, só o meu pensamento em ti, e o teu pensamento cada vez mais longe de mim.
Acabou-se agora o conto de fadas em papel velho.
Eu fico aqui do meu lado do rio, e tu ficas do teu lado do rio.
Sinto-te em mim, como se nunca tivesses saído do meu lado.
Mas deixo-te sem mim, onde ficas feliz e mais completa.
Sempre teu. Sempre.

P.

4 comentários:

Anónimo disse...

Força P.

Karina disse...

Esta talvez seja a carta mais bonita que já li aqui. Como é difícil quando a vida segue mas o coração para.
Entendo-te.

Doppelganger. disse...

Obrigado. :)

agonia disse...

acho que nao houve nenhuma carta destas aqui publicada que eu nao gostasse mas esta foi, sem duvida, a minha preferida. A maneira como está escrita.. disse-me muito. beijinho ao P.