quarta-feira, 3 de março de 2010

Carta XXXIV

Fecho os olhos. Fecho os olhos e sinto as últimas palavras que me disseste. E são sempre as mesmas a cada dia que passa. Fecho os olhos e sinto sempre o mesmo. Fecho os olhos e já não sinto. As palavras que se perpetuaram este tempo todo dentro de mim começam até a desvanecer os sentidos. Fecho os olhos e já não sinto. E as palavras continuam lá, mas já são parte de mim, o meu corpo já as reconhece como suas, deixaram de ser uma sensação estranha. Passei a fechar os olhos e a sentir-me a mim mesma nas tuas palavras. Não, já não vale a pena fechar os olhos para te sentir, já não te sinto nem sei como te sentir. Já não sei como te sonhar. Já não sei como te sorrir. Já não sei como te perdoar. Só sei que se voltasse a sentir te sonharia, te sentiria até sorriria e saberia como te perdoar. Assim, assim só não sei como fechar os olhos e te esquecer. Mas sei que tu também não esqueces, sentes cada palavra dita no mais fundo de ti, cada palavra ocupa um bocadinho de ti. E essas não se esquecem, as palavras ditas, ficam sempre. Não são como as outras que ficaram por dizer que se escapam pela porta traseira dos pensamentos, disfarçando-se entre as outras que ficam, que já não vão mais. São nossas, minhas se não quiseres saber delas. É como se eu assumisse a custódia provisória quando nem te preocupas com elas, comigo. Vou arrumá-las no meu veleiro que guardo no meu porto seguro e navegar com elas, com vontade de as afundar, de as esquecer lá no fundo. Lá no fundo sabendo que não consigo. Nem esquecer nem substituir como já tentei. O vazio não foge, fica e não se preenche assim. Nem pelas palavras, nem pelo que já foi. nem pelo outro (como te disse), o outro que quer substituir o que ficou, o que ficará sempre. Podes tentar, mas não me substituis, não há ninguém que saiba o que eu sei de ti, a tua Lua favorita, a página que tens marcado no livro que tentas ler, a frase que te faz estremecer, o poema que te faz chorar ou a música que te faz não pensar. Não em mim, porque a música que te faz pensar em mim sabe-la bem, tão de cor como a tua mão, cada choro do piano em coro com a guitarra. Sim, podes tentar, tal como eu tento cada minuto do dia, mas não passa. Fica sempre. Podes tentar esquecer ou substituir, podes pensar que esqueceste, mas não. Faz a tua ilusão de óptica como quiseres, quando quiseres. Mas ela vai passar. E vais ficar de novo na mesma. Podes voltar a tentar. Podes tentar tudo. Mas um dia vais perceber que mais vale tentar por mim porque esquecer não consegues e substituir, substituir...não sei. Podes tentar. Podes continuar a tentar. E ficamos assim. É antes assim.





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Obrigada mais uma vez. :)

1 comentário:

Sofia disse...

Como é que na segunda linha eu já sabia quem tinha escrito esta carta? :)