terça-feira, 13 de outubro de 2009

Carta XVIII

Morreste-me
Recordo vezes sem conta a pessoa que era antes de te conhecer. Conheceste-a, mataste-a e enterraste-a num sítio qualquer que mantens em segredo. Queria saber dela, quando estou mais enfurecida, mais triste, queria saber dela agora, para ela me dizer o que teria feito no meu lugar.
Espantava-me por ela ter um orgulho maior que o mundo e um amor próprio infindável.
Como não a encontro, por a teres escondido, por a teres tornado numa outra pessoa, tenho inveja dela. Ela nunca se teria rendido àquela forma de amar - incondicional. Ela estaria sempre à defesa, alerta, sempre com a experiência do passado a sussurrar-lhe ao ouvido o que se iria passar a seguir. Iria sempre lembrar-se de uma ou outra história lacrimosa para não tropeçar.
Pondo uma ao lado da outra, há traços que felizmente nunca conseguirias apagar. Morreste-me.
Recuso refugiar-me em pessoas, memórias e sentimentos que não existem, recuso-me a separar a razão do coração e recuso-me a trazer do passado fantasmas. Não vou, não quero, nem irei viver com sombras que me perturbem, que me reprimam, que não me deixem acreditar que vou voltar a amar. Não me vou privar de viver o futuro por olhar para o passado.
Perdemo-nos e não sei bem onde. Houve um qualquer momento em que me roubaste todas as palavras. Enquanto as tive pedi-te para me devolveres o meu coração, mas tu negaste. Por descuido, por quereres...partiste-o em mil estilhaços. Nunca os tentes apanhar, porque ninguém quer um coração estilhaçado. Volta-te de costas e vai-te embora, não olhes para trás. E quando já estiveres bem longe, lembra-me com um sorriso e promete a ti mesmo nunca falares de mim a ninguém. Guarda-nos em segredo.
Neste triste fim a que chegámos, guardo uma lágrima vinda do fundo, guardo um sorriso virado para o mundo e um sonho que parecia tão tão certo, mas que me deixou a boca a saber a fel. Guardo um olhar que juro que parecia tão perto...e que me traiu...e me deixou colada ao chão frio...tão frio...
Morreste-me...e não há nada que possas fazer para me(te) trazeres de volta.

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Obrigada, mais uma vez, à Pipoca pelas cartas.
E continuem a enviar que eu continuarei a publicar. Obrigada, meesmo, a toda a gente.=)

5 comentários:

:) disse...

Pôxa, estava a ver como estava bem escrito este texto e só pensava: "temos muitos bons escritores por aqui". Depois vejo que tinha sido mais um texto da Pipoca e "uau". A moça não pára.

Mas eu tenho news Pipoca! Vais ter concorrência à perna. Quando fiz o meu primeiro texto aqui para o desafio da Lua* era com intenção de participar mais que uma vez! Queres competição? Vais tê-la! GrrRRRrrr!! :P

Só para dizer, comentando o texto, que não me parece que a menina que existia antes de ter conhecido o rapaz tenha, realmente, desaparecido por completo. Acho que ela está bem presente nestas palavras e este é o seu grito de revolta. Acaba por ser contraditório que ela peça ao rapaz que ele parta, sem olhar para trás, mas que a recorde com um sorriso. Prova que ela ainda sente algo por ele. Senão, nem se importava com o que ele sentisse.

Nuvem disse...

A carta está linda.
E o amor é cheio de contradições...
Também eu morri por amor, me entreguei incondicionalmente e sofri com isso.
Também eu fui traída e morri, "matei" dentro de mim essa pessoa, mas não posso dizer que ainda hoje, se me cruzar com ela na rua, não vá sofrer algo (nem que seja no mais intimo de mim), pois amei como nunca amara e morri como pessoa que era.
Fica sempre essa frase de "recorda-me com um sorriso", pois queremos acreditar que o facto de termos morrido enquanto pessoas marcou a pessoa que nos matou e fez morrer de amor... mas a realidade é que essa pessoa para nós não existe mais.
Crescemos, aprendemos a gostar de nós mais do que dele... e com isso aprendemos que essa pessoa tem de morrer para nós - mesmo que o desejo seja de ser recordadas com um sorriso bonito.
Linda carta, como as escritas por toda a gente que aqui as publicou, especialmente pela Pipoca.

ninguém disse...

Eu gosto de acreditar que não morremos e que a outra pessoa não nos morre... nós ficamos sem um bocadinho que ficou com ela, e a pessoa fica sem o bocadinho que deixou connosco. Quem passa pela minha vida deixa sempre um bocadinho de si e leva sempre um bocadinho de mim...

Pipoca dos Saltos Altos disse...

@Gimbras, bora lá

Obrigada a todos...

:) disse...

@Aguarda-me Pipoquinha...