sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Carta XCV


Meu estimado amor,

Não sei escrever-vos. Não sou sequer suficientemente hábil para vos prender às minhas palavras, confesso, mas basta-me ser naturalmente capaz de vos prender e sentir no meu coração. Não pretendo de todo prestar-vos qualquer tipo de vassalagem desnecessária. A verdade é que desde que a minha pequena alma se deixou perturbar pela grandiosidade da vossa, o meu chá das índias começou a esfriar mais cedo enquanto os meus olhos deambulavam janela fora à procura de um sinal que me levasse a vós. Confesso-vos, neste manuscrito que perpetuará no tempo, a impossibilidade de esquecer o vosso gesto no baile vienense. A minha mão delgada ainda hoje cora e treme ao sentir o toque vagaroso, quase sublime, dos vossos delicados lábios a pousarem sobre ela. Lembro-me frequentemente da cortesia usada para me abordar nesse dia, nessa noite, e do vosso semblante sério de quem não vende a alma nem as terras que vos pertencem e que são intimamente vossas. (Pudesse eu, um dia, ser merecedora de tamanho império!) Pudesse a minha alma ser transparente como as águas que envolvem a minha pequena corte e me distraem agora. Pudesse eu trajar os vestidos com os melhores lilases de todo o mundo, ainda que rotos, para vos acompanhar condignamente pelas ruas e acenar às gentes. Tivesse eu a capacidade de sorrir-vos diariamente, sem errar, como ousa sorrir-me o Renoir que vagueia sempre pela minha sala, que a minha força renovar-se-ia. Gozasse eu dos mais belos potros e arrumaria um senhor que me levasse até vós, pelos trilhos mais árduos e mais longos, se necessário, para beber do vosso respeitoso aperto. Enlaçar-me-ia a vós, por deus e por quem suplicais!, e não haveria no mundo inteiro quem arriscasse despegar-nos. Garanto-vos com toda a minha humilde e certa firmeza que não.  (…)
A minha coragem, leia-se coração, depende da vossa. A minha coragem quase morre, como morrem os guerreiros nos bravios, se não vos vir. A minha coragem, repito, quase perde o sangue, e a cor, se não vos puder amar desesperadamente até ao fim dos impérios. A minha coragem, a maior das minhas coragens, vislumbra a distância que nos demarca na velha carta geográfica e tende a murchar desalmadamente como aconteceu aos cheirosos adornos que ordenastes pôr na minha jarra antes que partísseis.
Digo-vos: não fosse a poesia que me trouxestes das espanhas a sustentar a leveza do meu corpo, e do meu ser, e já não me encontraria entre os vivos. É ela, a par das árvores, que me mantém acesa. Desculpai-me a insignificante comparação mas as àrvores são verdes, e são verdes o ano todo. Estas árvores, as que me acalentam a alma, são árvores de folha perene, que nunca caem, que nunca querem cair, que nunca se deixam cair. E, perdoai-me a insistência, a ideia de tenacidade e perpetuidade destes seres remetem-me para caminhos mais longos que me levam até vós.
Não sei quanto tempo mais resistirei aos encantos que a vossa alma, superlativa absoluta e sintética, faz brotar em mim. E a ignorância neste caso, confesso-vos, tem-se revelado a melhor das minhas virtudes. Prometo-vos que, um dia que o Sol se faça brilhar em Londres, farei parar os ponteiros do relógio que rege todos os relógios e não haverá mais tempo que não este, o nosso, desta precisa forma. Acreditai em mim, se quiserdes, que não haverá leis ou meridianos que impeçam este acto de bem-querer para com a vossa alma. Porque no final, e acima de qualquer outra coisa, é só isto: eu quero-vos (nos) bem. Imensamente bem. 

Da sempre vossa,
Mary


[perfeita, não?]

1 comentário:

MoonLight disse...

sim, absolutamente perfeita =)